O que aprendi com o vinho
A vida muda. Nietzche me falou que o homem é uma corda atada entre o animal e o além do homem, uma corda sobre um abismo. Ser que é animal e arte, tudo ao mesmo tempo. Se animais, anseios como permanência, manutenção, estabilidade e alimento nos dominam, nesse espaço, as mudanças constrangem, os sobressaltos atingem e, aos poucos, retiram a seiva que determina um olhar curioso e transcendente. No outro ponto, arte nos enleva, nos proporciona a paixão, o desejo, a iminência da morte, intensos, por isso, temidos. Somos isso, nós homens, estabilidade e fúria, sustentados por meio de um tênue fio, erguido sobre esse abismo que pode ser chamado de construção da psique humana, ou de modo mais fácil, do que é feito esse sujeito.
Não adianta muito brigar com essa realidade estranha e concreta de que mudamos. Sim mudamos. Mudamos as idéias, os gostos, a atitude. A natureza não, essa permanece, ali, num canto desconhecido, que inevitavelmente vai divagar entre ser animal e além homem. Seremos sempre assim.
Vi muito mudar. Vi minha vida mudar ao balanço das minhas necessidades e ao desejo de minha arte. Ao meu redor muitos também mudaram, de alguns me despedi, não houve outra saída, de outros me aproximei, pois a mudança estava mais próxima, em algum tempo futuro ou passado, daquilo que naquele instante desejava.
Então conheci o vinho. Para mim ainda um desconhecido.
Um novo amigo, numa atitude de compartilhamento, nos apresentou uma pequena mostra de como degustar um vinho.
Enquanto sorvia aos poucos, em pequenas gotas delicadas, aqueles variados vinhos, ouvindo atenta a tudo quanto me era dito, e sorrindo muito, porque nada me trouxe mais alegria do que viver tudo aquilo de forma tão, tão inusitada, percebi que beber vinho nos leva a filosofar, sobre a vida e sobre as pessoas.
È que vinhos são como a vida. Alguns deles combinam com certos alimentos outros não. Alguns deles tem personalidade forte, agressiva, outros não. Esses últimos os mais singelos, nem por isso perdem sua delicada sedução, é que não se prestam a fazer gracinhas de início, chamando atenção, são assim, meio virginianos.
Cheirei os vinhos. Como é lindo e primitivo cheirar. Mais parecia uma criança, que esperta diante das proposituras do esquisito mundo adulto, cheira antes de provar. É assim com o vinho, a gente cheira, olha, tem impressões e depois prova, pra saber se combina com o imaginário feito a partir do instinto.
Mas não se engane. O primeiro cheiro não será o último, ele, o vinho, vai mudar de cheiro, vai mudar de cor, vai mudar de sabor, assim com a vida, assim como todos nós, essa imensas garrafas de vinho ambulantes, cheias de desejo, de aroma, de sabor e de expressão, ávidas de experiências e desejos, e livres para mudar, porque mudar não é ser pior, é apenas trocar de sabor, de frescor, de aparência, de cheiro.
Na essência seremos nós sempre vinho, eles da uva, nós do pó, ligados pela experiência absurda de nos manter ao mesmo tempo entre a corda fina de ser necessidade e arte.
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